terça-feira, 21 de julho de 2009

Da efemeridade das bolhas de sabão

Saudações abandonados leitores do Moral Hazard! !!!! [as quatro últimas ! são por minha conta]

Incentivada por um amigo, resolvi fazer nova postagem - o texto é uma crônica que escrevi por esses dias, e aqui de fato seria um bom lugar para publicá-lo- eu ganharia em leitores, e vocês ganhariam porque parece que o nosso queridíssimo Quesinho está aproveitando as férias no Caribe ;)

Então vamos nós!! \o/
Primeiro, vou colocar à disposição a trilha sonora que me inspirou -pela melodia- a escrever estas linhas, sugiro que leiam o texto enquanto escutam a música para causar o efeito que [ao menos em mim] é indescritível.
A banda é, apesar de uma descoberta recente para nós (os autores), responsável por desabrochar muitos fragmentos de nossas almas, antes adormecidos *-*
Bem, aí está a música seguida do texto:

Beirut - Scenic World

Da efemeridade das bolhas de sabão

Neste sábado de manhã ensolarada, acordei inspirando uma brisa primaveril, que balançava meus cachos despenteados pelo travesseiro. Pisquei algumas vezes as janelas da minha alma, para arregalá-las num bocejo loooongo, que competia em sonoridade com o canto de um espevitado, insistente ao anunciar que bem-me-via de onde estava, empoleirado no peitoril da janela do meu quarto.

Me espreguicei até sentir a pontinha dos meus pés tocarem o baú de brinquedos, como se estivesse dando bom dia às bonecas que ainda dormiam ali. Depois estendi as mãos buscando pela cabeceira de madeira clara logo acima dos cachos que ainda bailavam com a brisa. (Aliás... invejo a iniciativa da brisa, que não perde sua feminilidade ao abordar os cachos tão suavemente, e ao sacudi-los sedutora e inocentemente... )

Sentei na cama e abri a porta matizada do armário, vesti um vestido cor de céu, com margaridas sorridentes. Prendi os cachos assanhados, com uma fita de cetim azul marinho. Quem sabe um pouco de mar não fazia aquietar o fogo causado neles pela brisa? Céu e mar já estavam em mim, nos tons de azuis, e eu areia.

Caminhei descalça até o banheiro, e me vi areia, no espelho. Areei os dentes, e depois de um bochecho, minha boca estava acordada. E Avermelhada porque a menta sempre me arde os lábios.

Continuei caminhando descalça até a cozinha, e enquanto punha a água do café para ferver, numa leiteira de latão, percebi que as crianças já estavam brincando no quintal.

Estava sendo mesmo um - Bom dia, filhos ! eu disse, a eles com meu coração,e sei que responderam porque nessa hora me olharam lá de fora e sorriram com dentes de leite.

O café estava feito. Eles entraram sem que eu precisasse chamar, porque de novo, a brisa tomou uma iniciativa, e levou o cheiro fresco até as suas narinas infantis.

Aproveitei que o quintal estava vazio e fui cuidar das roupas que costumam vestir nossas camas de madeira clara. E nessa hora eu cantarolei, cantarolei-rolei-rolou.

Não percebi que não estava mais sozinha no quintal, as azaléias das jardineiras conversavam com as margaridas do meu vestido, e nossa! Eu podia ouvir o que elas proseavam... Diziam que ontem viram minha mãe lavando os lençóis e cantando aquela música, enquanto eu brincava de fazer bolhas de sabão.

Então eu olhei para o lado, e ali estavam, meus filhos assoprando canudinhos e fazendo soltar bolhas com a mistura que limpava as roupas de cama.

Deixei os lençóis quarando no varal. Peguei uma xícara de café na cozinha, e fiquei encostada no portal que dava para o quintal. Olhei. Naquele momento usei mais do que as minhas janelas da alma para ver, eu usei as portas, os portões, e a minha alma inteira!

Então eu não mais olhava, mas via, e de fato enxergava tudo claramente. Tão claro quanto aqueles dentes de leite, que outrora sorriam em resposta ao bom dia de mamãe, e que agora são dentes de café. Percebi então que amanhã, os dentes de leite que me sorriem tomarão café nesta mesma xícara de porcelana, e encostados neste mesmo portal...

Ah... e as brincadeiras! Enquanto um soprava um quinhão de bolhas, o outro estourava com a vibração de sua risada pelo menos metade delas! E como se divertiam... como eu me divertia também quando era eu quem soprava as bolhinhas!

E a brisa também estava ali, brincando com meus meninos, competindo com eles, e mostrando-se muito ágil também.

O primogênito então foi soprando devagar, a fim de fazer uma enorme bolha. Quanto mais ele soprava, mais ela crescia... E fazia isso controladamente, como se soubesse a quantidade exata de ar por instante que deveria expirar.

O menor estava paralisado, segurando a respiração numa expectativa incrível, eu podia ver seu rostinho apreensivo, torcendo em pensamento para que o irmão conseguisse soprar continuamente, e sem emitir nenhum som que pudesse desconcentra-lo! Estava até com as mãos juntinhas, como se estivesse pedindo “por favor, seja a maior bolha que eu já vi na vida!” Coisa de criança...

Que nada! Eu estava torcendo com meus botões também, ou melhor, com minhas margaridas. Até a brisa parou por um momento! Nós duas assistíamos tensas, aquela cena.

E então... a dona bolha sorriu, com o sorriso de vitória do maior e os olhos de alegria do menor. É que ela estava posicionada na altura dos lábios do que soprava, e um reflexo se fazia presente por causa da translucidez que o sabão causa... E o menor (que é também o mais baixo) estava com os olhinhos assim tão dentro dela, que pareciam fazer parte da mesma! Talvez eu não tenha palavras pra explicar a imagem que vi, mas acreditem, a bolha sorriu! E com ela, eu também.

Não demorou muito e a brisa, que estava cansada de ficar quieta, espatifou a dona bolha sem nem deixar rastros.

E então foi a vez do mais novo fazer uma. Soprava cautelosamente, e bastante concentrado. E o irmão olhava para ele orgulhoso. E eu, de cá, orgulhosa de ambos!

Mas o meu menino foi perdendo o fôlego, e suas bochechas murchando enrubecidas, não sei se de esforço ou se de vergonha, pelo desapontamento nítido no rosto do irmão.

Hoje o dia passou ligeiro, já entardecia e eu sequer havia adiantado o almoço.

Tomei o último gole de café e enquanto marinava a carne, pensava com minhas margaridas... Elas não estavam mais tão sorridentes assim, deviam estar com fome!Dei-me pressa e fiz logo o almoço. Chamei as crianças, e enquanto elas iam lavar as mãos eu corri para o quintal, e as margaridas continuavam menos risonhas, como eu.

Nós fomos lá ver se a brisa tinha se esquecido de alguma bolha alegre pelo chão ou pelo ar... Mas eu olhei em todos os cantos do quintal e não vi nenhuma. Perguntei às azaléias então, e elas responderam – Acaso ainda tens dentes de leite, querida?

Neste sábado de manhã ensolarada, acordei inspirando uma brisa primaveril, que balançava meus cachos despenteados pelo travesseiro.

Neste sábado de manhã ensolarada, aprendi sobre a efemeridade das bolhas de sabão.



***


É sempre um prazer ter convosco, caríssimos leitores =)

Espero que tenham gostado de mais um devaneio literário da


Bailarina Verbal